Pulmão

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"Uma resenha sobre saúde e doença respiratória para divulgar os principais temas da pneumologia ao público em geral."

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Tuberculose: do suplício à inspiração literária


Texto de: Carla Conceição dos Santos¹

A doença mais fatal no mundo inspirou a produção de poetas e escritores que usaram seus versos para o enaltecimento à beleza das tísicas e a aparências doentes e miseráveis oriundas do autoabandono. Predominaram em suas obras o extremo pessimismo, a sensação de perda de suporte, apatia moral, melancolia difusa, tristeza, ausência da alegria de viver, nostalgia, falta de sentimento vital e depressão profunda, resultando em males físicos, mentais ou imaginários que levam à morte precoce ou ao suicídio.

No século 18, no Brasil, diversos poetas e escritores famosos contraíram tuberculose. Nomes como Nelson Rodrigues, Manuel Bandeira, Casimiro de Abreu, Castro Alves e outros expressaram seus sentimentos em relação a seus amores, parentes e amigos portadores da doença e foram considerados, por isso, mórbido-pessimistas.

Alguns deles, como Castro Alves, Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, foram assim denominados e morreram muito jovens em decorrência da tuberculose. Em suas obras, é possível identificar os desabafos em forma de versos sobre a vida indo embora:

“Mocidade e Morte”, de Castro Alves, falecido aos 24 anos: Descansem o meu leito solitário / Na floresta dos homens esquecida / À sombra de uma cruz e escrevam nela: / Foi poeta, sonhou e amou a vida;

“Lembranças de Morrer”, de Álvares de Azevedo, que morreu aos 21 anos: Eu sofro; o corpo padece / E minh’alma se estremece / Ouvindo o dobrar de um sino (…) A febre me queima a fonte / E dos túmulos a aragem / Roça-me a pálida face / Mas no delírio e na febre / Sempre teu rosto contemplo;

Augusto dos Anjos, outro poeta mórbido-pessimista a quem se atribui erroneamente ter sido tísico, morreu jovem em 1914 de pneumonia e ficou sem pai em 1905 por tuberculose. Em duas quadras de longa poesia, ele externou sua percepção sobre esse mal: Falar somente uma linguagem rouca, / Um português cansado e incompreensível, / Vomitar o pulmão na noite horrível / Em que se deita sangue pela boca! / Expulsar aos bocados, a existência / Numa bacia autômata de barro / Alucinado, vendo em cada escarro /O retrato da própria consciência…

Quem mais representa essa corrente foi Manuel Bandeira, conhecido como o ‘Poeta Tísico’ por escrever: “Mas então não farei mais nada porque em mim o poeta é tuberculose. Eu sou Manuel Bandeira, o Poeta Tísico” mas, foi devido à tuberculose que o Brasil ganhou um dos seus mais expressivos poetas. Aos 18 anos, em 1904, Manuel Bandeira abandonou os planos de ser arquiteto após saber que estava com tuberculose. A ‘sentença de morte’ que significava à época a tuberculose fez da enfermidade inspiração para boa parte de seus escritos, mas ele sobreviveu à doença e veio a morrer por hemorragia digestiva alta, aos 80 anos. Entre seus poemas figura o “Pneumotórax”:
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos, /A vida inteira que poderia ter sido e não foi. /Tosse, tosse, tosse. / Mandou chamar o médico. / Diga trinta e três. / Trinta e três… trinta e três… trinta e três… / Respire / O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo / e o pulmão direito infiltrado. / Então doutor, não é possível tentar o pneumotórax? / Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

A descrição literária mais crua sobre a vida de portadores de tuberculose em sanatórios origina-se da vivência do dramaturgo, jornalista e teatrólogo Nelson Rodrigues quando ele se tratava da doença na estância climática de Campos de Jordão, em São Paulo, a mais procurada no Brasil. Ele permaneceu de abril de 1934 a junho de 1935 num Sanatório Popular, onde, em 1935, escreveu o seu primeiro texto dramático. Para ele, o sanatório, de forma geral, se tratava da “casa dos mortos”, principalmente por se queixar de solidão ao perceber a escassez de correspondências para ele. Seu desabafo na publicação “Memórias”, de 1967, expõe a vulnerabilidade à tuberculose.

Leia mais em: Fundação Ataulpho de Paiva


¹
Enfermeira, mestre em Ciências pela UFRJ, atuando no Laboratório de Pesquisa em Tuberculose/Instituto de Doenças do Tórax desde 2003, Parecerista do Comitê de Ética em Pesquisa/ Hospital Universitário Clementino Fraga Filho desde 2015, desenvolvendo ações de capacitação na Unidade de Telemedicina nas áreas de Telessaúde e EAD desde 2016.

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